Seja bem vindo ao novo site da Viusat Advogados, aqui você irá conhecer nossa filosofia de trabalho, nossos serviços e clientes, além de poder nos contatar para tirar dúvidas, dar sugestões entre outros.
Prestamos serviços referentes às áreas cível, trabalhista e criminal. Conheça mais sobre a nossa oferta de serviços e não hesite em contatar-nos. Descubra, você também, como a Viusat Advogados pode ajudá-lo em seu dia-a-dia.
Guerra cognitiva: o uso de PsyOps online para manipulação da mente humana
Os cérebros estão se tornando os novos campos de batalha. As guerras não são mais travadas apenas nas frentes de combate, pois as mentes humanas surgem como um novo cenário de guerra. As armas não precisam mais ser unicamente de natureza física, mas algumas podem consistir apenas em informações projetadas para manipular as emoções e o comportamento humano.
O advogado Cristiano Zanin
A manipulação psicológica do inimigo — chamada de guerra cognitiva — tem produzido efeitos práticos até mais contundentes do que a destruição física de coisas e a eliminação de adversários. Seu objetivo é influenciar opiniões, crenças, percepções e comportamentos do público-alvo. Visa alcançar alguma mudança no domínio psicológico dos indivíduos usando informação e desinformação.
No contexto da guerra cognitiva, as "operações psicológicas", também conhecidas como PsyOps, ganham destaque por seu impressionante impacto desestabilizador. O termo surgiu no seio do Exército durante a 1ª Guerra Mundial, período no qual a psicologia se firmava como ciência, mas alguns de seus princípios já eram utilizados desde a Antiguidade como instrumento auxiliar das forças bélicas no contexto de uma guerra. Roberto Figueiredo Cavalcanti da Silva, comandante da aeronáutica, menciona que uma das mais importantes tarefas das operações psicológicas "é mostrar ao inimigo as vantagens de se desistir das contendas antes de nelas entrar"[1].
As PsyOps podem ser conceituadas como "operações planejadas para transmitir informações com o objetivo de influenciar as emoções, decepções, motivações, raciocínio e, finalmente, o comportamento de Governos, organizações, grupos e indivíduos"[2].
Atualmente as PsyOps estão difundidas em inúmeros setores e desempenham papéis importantes nas estratégias de Estados e agremiações políticas. Também podem ser utilizadas para a prática de lawfare, que "é o uso estratégico do Direito para fins de deslegitimar, prejudicar ou aniquilar um inimigo"[3]. As PsyOps podem se fundar em informações verdadeiras, mas também podem difundir propositalmente informações falsas. Assim, nem sempre se enquadram dentro dos parâmetros éticos e legais.
Segundo os pesquisadores americanos Tim Hwang e Lea Rosen, especialistas em Direito Internacional, as características únicas do ambiente online e os avanços na tecnologia estão dando origem a uma nova geração de PsyOps que são amplamente expandidas em escopo e eficácia[4].
Especialmente no ambiente das mídias sociais, as PsyOps alavancam uma série de técnicas diferentes, desde o uso de bots automatizados — contas falsas de usuários que muitas vezes repetem o mesmo conteúdo — até a disseminação sistêmica de informações enganosas por meio das mídias sociais[5]. Conforme pesquisa de 2017, a quantidade de bots poderia alcançar até 15% do total de contas do Twitter, o que corresponderia a algo em torno de 47 milhões de usuários fantasmas[6].
As primeiras descobertas de que bots estavam sendo usados nas redes sociais para disseminar informações falsas são de 2010[7]. De acordo com Hwang e Rosen, as campanhas de bots distribuem mensagens para usuários em qualquer lugar do mundo com pouco ou nenhum custo. Isso a torna uma estratégia acessível e permite que esses tipos de campanhas sejam conduzidos por pequenos grupos de indivíduos que anteriormente não teriam recursos para coordenar uma persuasão eficaz em escala e com uma taxa de iteração mais rápida[8].
Outra característica importante das campanhas de bots é que essa estratégia pode ser mais sutil. Os bots podem misturar suas mensagens persuasivas em conteúdos mais frugais do cotidiano daquele destinatário específico identificado pelo algoritmo, reforçando a credibilidade da informação e ofuscando o fato de se tratar de uma campanha de convencimento. Assim, pode ser mais difícil dizer quem está promovendo um esforço estratégico de persuasão ou mesmo quando um desses esforços começou ou terminou. Quando combinadas com os avanços na capacidade de gerar identidades falsas mais críveis como verdadeiras e uma maior compreensão dos fatores que impulsionam o comportamento do grupo, as PsyOps online permitem que uma variedade de atores efetivamente modele e convença em escala de forma mais significativa[9].
Como sugerem os cenários discutidos acima, a nova geração de PsyOps online pode ser mais destrutiva do que os tipos de técnicas usadas no passado. Ao mesmo tempo, a velocidade, os custos em queda, a difícil identificação de autoria e a riqueza de dados agora possíveis podem tornar essas estratégias cada vez mais atraentes para atores estatais e não estatais que buscam desestabilizar adversários em todo o mundo.
E isso já está acontecendo. Hwang e Rosen citam que, nos Estados Unidos, contas falsas foram usadas para reforçar o aparente apoio popular a candidatos políticos e têm sido vistas como a principal razão por trás da oscilação de votos até a última hora da eleição. No México, um recente ciclo de eleições presidenciais apresentou dois grupos opostos de bots tentando disputar entre si nas mídias sociais. Os bots também foram uma característica proeminente da discussão política online em torno da votação do "Brexit" no Reino Unido, ajudando a angariar apoio em torno da decisão de deixar a União Europeia. Zunzuneo — uma rede social baseada em texto lançada em Cuba — foi revelada em 2014 como um espaço apoiado por agências norte-americanas para influenciar a opinião pública e minar o regime[10].
Muitas dessas técnicas alavancam uma prática conhecida como astroturfing que é a criação de massas de identidades falsas para dar a impressão de que existe uma onda de opinião onde ela não existe na realidade[11]. Há diversos sites[12] em que é possível comprar curtidas e visualizações nas redes sociais. Um pacote "iniciante" no Instagram com 500 seguidores e 250 curtidas custa, em 2022, R$ 37. Já um pacote "influencer" com 20 mil seguidores e 10 mil curtidas sai por R$ 897.
Ben Nimmo, membro do Laboratório de Pesquisa Forense Digital (DFRLab) do Atlantic Council no Reino Unido, explica que quatro táticas se destacam nas guerras após o advento das redes sociais, batizando-as de "Abordagem 4D"[13]: descartar, distorcer, distrair e desanimar. Segundo o pesquisador, dispensar significa minar o oponente, maculando sua honra. Distorcer implica interpretar erroneamente os fatos e colocá-los fora de contexto, ou, ainda, produzir uma versão parcial ou totalmente falsa da realidade, sendo sua forma extrema a "reescrita da história". Distrair é desviar a atenção do público das atividades do ator e concentrá-la nas atividades do oponente. Desanimar diz respeito a assustar o público-alvo com advertências verbais ou imagens e vídeos perturbadores[14].
Outra técnica utilizada para aumentar a exposição de uma determinada narrativa nas redes sociais, segundo Beata Bialy, especialista do Centro de Excelência em Comunicações Estratégicas da Otan, é o troll. No entanto, segundo a especialista, é importante notar a diferença fundamental entre um troll "clássico" da internet e um troll "híbrido". A primeira categoria está presente nas mídias digitais desde o início e designa um tipo particular de usuário de mídia social que, por motivos puramente pessoais (frustração, vida infeliz e problemas psicológicos), tenta atrapalhar as conversas nas redes sociais ofendendo outros usuários, provocando e postando comentários desagradáveis ou fora de contexto. O outro é uma espécie de guerreiro da mídia social, contratado por uma organização estatal ou não estatal para apoiar a causa dessa organização e executar sua agenda, estando encarregado de postar comentários para promover a narrativa de seu patrono ou destruir a narrativa de seu oponente[15].
Para Beata Bialy, um método eficaz de aumentar o impacto de uma narrativa ou mensagens específicas é o uso coordenado de vários canais – abertos e fechados. A comunicação passa por plataformas de conversação pública, como o Twitter, e dentro de redes fechadas, como mensageiros criptografados ou até mesmo via PlayStation Network, que é extremamente desafiador para descriptografia e mais difícil de rastrear que o WhatsApp. Segundo a especialista, documentos vazados por Edward Snowden em 2013 revelaram que agências norte-americanas tentaram se infiltrar em conversas terroristas participando de jogos como World of Warcraft. As redes públicas são usadas principalmente para divulgação de propaganda ou desinformação, enquanto as redes sociais fechadas podem ser um canal eficaz para coordenação de atividades, recrutamento e mobilização de apoio[16]. Hwang e Rosen alertam que contas falsas geralmente repetem o mesmo conteúdo várias vezes. Além disso, fotos de perfil e outros conteúdos são muitas vezes copiados por atacado de outros lugares. Quando o conteúdo é gerado programaticamente, as postagens dessas contas falsas geralmente aparecem com estrutura sintática semelhante ou podem aparecer como coleções sem sentido de palavras[17]. Embora essa regularidade seja o meio pelo qual se torna possível a detecção de campanhas persuasivas, os especialistas advertem que o custo de criação de identidades mais críveis cai significativamente à medida que novas técnicas surgem. Os métodos para gerar de forma programática rostos sintéticos realistas em escala continuam a melhorar. Da mesma forma, os avanços no aprendizado de máquina estão permitindo a criação de uma fala de computador com um som cada vez mais autêntico. O objetivo final é permitir a criação de identidades que podem parecer e soar real, sem qualquer cópia óbvia de outras fontes[18].
Além da capacidade dessas identidades falsas parecerem reais, a tecnologia também reduz os custos de interação com usuários reais. De acordo com Hwang e Rosen, avanços no campo de aprendizado de máquina estão permitindo a criação de agentes conversacionais que são substancialmente mais sofisticados do que os disponíveis no passado. São identidades falsas que têm o poder de interagir de forma crível com usuários reais e ganhar sua confiança. Essa tecnologia permite campanhas mais sutis de persuasão e construção de relacionamento com usuários reais em escala. Isso também tornará essas campanhas menos detectáveis, pois o comportamento dos bots irá cada vez mais convergir com o comportamento normal dos usuários humanos online[19].
Além disso, a disponibilidade cada vez maior de uma enorme quantidade de dados sobre o comportamento social vem produzindo efeitos notáveis para as operações psicológicas[20]. Os usuários revelam suas preferências e conexões sociais por meio de suas atividades nessas mídias sociais que fornecem um diagnóstico preciso e continuamente atualizado de vastos segmentos da população. Essa abundância de dados aumentou significativamente a capacidade de direcionar mensagens de forma eficaz a determinados públicos. Assim, bots são adaptados para mensagens e apelos públicos específicos de interesse.
O algoritmo de programas como Facebook, Twitter e Instagram é trabalhado de forma a favorecer informações que se encaixam no perfil de preferências do usuário e bloqueiam as informações que não se encaixam. Com isso, o usuário fica numa bolha na qual apenas informações consistentes com a sua visão de mundo são apresentadas, deixando-os confiantes de que apenas suas opiniões estão corretas. Existe aquilo que os especialistas chamam de Câmara de Eco. Cada ponto de vista é dito e repetido milhares de vezes em cada um desses compartimentos fechados e invisíveis das redes sociais. Evidente que existe uma homofilia natural nas relações sociais humanas, mas o algoritmo potencializa esse cenário[21]. Homofilia pode ser entendida nesse contexto como a tendência de os indivíduos se aproximarem socialmente daqueles com características semelhantes (crenças, valores, etc.).
Esses dados sociais ainda possibilitam entender melhor a mecânica que impulsiona os fenômenos comportamentais do grupo, como a disseminação "viral" de conteúdo por meio de uma rede, ou os fatores que incentivam a disseminação de desinformação[22]. Isso deu origem a um corpo emergente de pesquisa chamado de nova "física social" — uma compreensão quantitativa suficientemente avançada de processos sociais que permite a previsão e manipulação desses processos[23].
A trajetória da tecnologia levanta a preocupação de que as PsyOps online tornar-se-ão cada vez mais poderosas e desestabilizadoras nos próximos anos, podendo ter uma capacidade sem precedentes de alterar cognições, emoções, crenças e comportamentos de indivíduos e grupos.
Ao longo do tempo, as motivações dos usuários para participar de discussões nas mídias sociais mudaram. A motivação puramente "social" foi sendo gradualmente substituída por outras como a busca por informação, o que colocou as plataformas sociais muito mais próximas da mídia tradicional. Os internautas estão cada vez mais considerando as mídias sociais como sua principal fonte de informação o que os torna um alvo atraente para aqueles que não hesitam em manipular ou falsificar fatos e apresentar sua versão da realidade.
Pesquisa realizada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado em 2019 revelou que 79% dos brasileiros utilizam o WhatsApp como fonte de informação. O número de pessoas que consulta os grandes portais de notícias da internet para verificar a veracidade de uma informação é menos da metade (38%). Mesmo os canais de TV, que até poucos anos eram o principal mecanismo, são consultados por apenas 50% da população[24]. O Facebook é citado como fonte de informação por 44% dos brasileiros, ou seja, à frente dos grandes portais de notícia da internet (38%). Instagram (30%), rádio (22%), jornais impressos (8%) e Twitter (7%) completam a lista. Para muitos brasileiros o único contato com a internet se dá no momento em que verifica as mensagens de WhatsApp. Fora isso, a pessoa não tem mais um contato algum. Sequer sabe onde está o navegador em seu celular.
Não é demais lembrar que o objetivo de uma rede social é maximizar o tempo de uso de um indivíduo em sua plataforma. Com isso, ela criará maior engajamento, conseguirá capturar maiores informações para o sistema, retroalimentando-o, podendo inclusive obter vantagens comerciais, seja na assertividade com determinado anunciante que busca determinado público-alvo, seja pela própria informação em si. Nesse sentido, sabendo que alguns usuários somente se interessam por determinado tipo de informação que nem sempre corresponde à realidade, o algoritmo dessas redes sociais pode aproximar pessoas que pensam da mesma forma. Exemplificativamente, pessoas que acreditam no terraplanismo, embora isso seja consensualmente refutado pela comunidade científica, podem ser expostos apenas a esse tipo de notícia para aumentar o seu engajamento dentro do próprio aplicativo da rede social.
Essa mudança dramática no ambiente informacional foi chamada pelos pesquisadores chineses de "armamento das mídias sociais"[25], o que significa transformar as redes sociais em um campo de atividades informativas hostis realizadas em públicos-alvo na zona cinzenta entre a paz e a guerra.
Nesse sentido, parece altamente justificável chamar as mídias sociais de um campo de batalha no qual uma intensa luta por mentes está ocorrendo. É um ambiente onde podemos observar diferentes táticas, como engano, desinformação, propaganda, ameaçar adversários, mobilização de apoiadores e coordenação de ações. Surge então a questão sobre o que o mundo democrático pode fazer para combater as atividades hostis nas mídias sociais e no ambiente informacional em geral, visto que muitos atores sociais não observam as mesmas regras legais e valores democráticos. Importante, nessa linha, os acordos firmados neste ano de 2022 entre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e as plataformas[26].
Referidos acordos podem ser considerados como um avanço em relação aos documentos firmados nas eleições de 2020 com o mesmo Tribunal, mas ainda não são suficientes para a veiculação de desinformação da prática de PsyOps online no meio das plataformas digitais.
É vital, portanto, aumentar a conscientização dos cidadãos e das autoridades sobre as atividades de influência usadas por meio de operações psicológicas. Sander van der Linden e Jon Roozenbeek[27] propõem quatro soluções para esse problema: algorítmica, corretiva, legislativa e psicológica. Na solução algorítmica, a responsabilidade recai sobre as próprias redes sociais. Os algortimos de aplicativos como Facebook, Instagram e Twitter têm de ser capazes de identificar rapidamente as fakenews e as retirarem de circulação. Na solução corretiva, a informação tem de ser rapidamente corrigida e chegar aos destinatários finais com rapidez. Talvez aí ganhe destaque o papel da grande mídia e de sites de checagem de fatos para confirmação da veracidade das informações. Na solução legislativa, as leis precisam ser alteradas. Já na solução psicológica, os pesquisadores propõem a chamada inoculação psicológica. A inoculação é um termo associado à imunologia e se refere ao mecanismo utilizado nas vacinas. O antígeno morto ou debilitado é inoculado no ser humano para que o indivíduo desenvolva uma forma leve da doença, com o fim de produzir imunidade por meio da criação de anticorpos. Assim, analogamente, a inoculação psicológica foi desenvolvida como uma vacina contra a lavagem cerebral e funcionaria com o mesmo postulado da inoculação da imunologia. Os indivíduos expostos a pequenas informações falsas enfraquecidas poderiam desenvolver mecanismos cognitivos de proteção a informações falsas mais robustas, algo como um "anticorpo mental" contra fake news.
O processo de inoculação consiste em dois componentes principais[28]. O primeiro consiste num aviso aos destinatários da mensagem de que a informação falsa estará chegando. Diz-se que essa é a base afetiva do mecanismo, pois as pessoas não gostam de ser enganadas, ficando alertas sobre essa possibilidade. O segundo consiste na preempção refutacional (prebunking). Diz-se que essa é a base cognitiva do mecanismo, pois exposta de antemão a argumentos que refutem a ameaça, a pessoa tem maior capacidade cognitiva de compreender se a ameaça se revela como uma informação falsa ou verdadeira mais facilmente.
Alexandre Brasil Fonseca explica que na estratégia de prebunking o foco não é o fato a ser refutado, pois este ainda não está definido, mas sim a explicitação das estratégias, das motivações, dos valores, da retórica, da estrutura, dos aspectos políticos, econômicos e de outros elementos que caracterizam a desinformação. No caso específico da pandemia, por exemplo, a Unesco desenvolveu documentos sobre o alastramento da desinformação mundo afora a fim de que o maior número de pessoas conhecesse essas informações falsas identificadas como forma de "inocular" os indivíduos contra esses tipos de mentiras[29].
Assim, em conclusão, pensamos que duas linhas principais de defesa são possíveis contra as PsyOps online: a educação e o combate às atividades hostis. A educação dá aos cidadãos e às autoridades conhecimentos básicos sobre mídia e mídias sociais que ajudam a construir um pensamento crítico e hábitos de verificação de fatos. Nesse sentido, se os “usuários” são identificados como falsos, o impacto persuasivo das PsyOps é significativamente diminuído e pode ser sinalizado pelos cidadãos para remoção pela plataforma.
Por fim, o combate às atividades hostis requer o rastreamento da manipulação e da desinformação online, sua inoculação e seu confronto com a verdade. Recursos de detecção rápidos e precisos serão a chave para uma dissuasão bem-sucedida. Os serviços de segurança, a aplicação da lei e os tribunais precisam ser suficientemente informados sobre a existência de potenciais tecnologias de guerra cognitiva e precisam ser treinados para investigar e combater o possível uso nefasto das mídias sociais.
[1] SILVA, Roberto Figueiredo Cavalcanti da. O papel das Operações Psicológicas e da ação da mídia nas operações militares. Revista da Escola Superior de Guerra, v. 24, n. 49, p. 257-274, 2008.
[2] MARTINS, Cristiano Zaniin; MARTINS, Valeska Teixeira Zanin; VALIM, Rafael. Lawfare: uma introdução. Coimbra: Almedina, 2020. p. 77.
[3] Op. cit., mesma página.
[4] HWANG, Tim; ROSEN, Lea. Harder, Better, Faster, Stronger: International Law and the Future of Online PsyOps. ComProp Working Paper, n. 1, Jan. 2017. p. 1. Disponível aqui. Acesso em 19/05/2022.
[7] SHAO, Chengcheng; CIAMPAGLIA, Giovanni Luca; VAROL, Onur; FLAMMINI, Alessandro; MENCZER, Filippo. The spread of fake news by social bots. Disponível aqui. Acesso em 18/05/2022.
[13] BIALY, Beata. Social Media - From Social Exchange to Battlefield. The Cyber Defense Review, vol. 2, n. 2, Summer, 2017, pp. 69-90. p. 79. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/26267344?seq=1>. Acesso em 22/05/2022.
[14] Op. cit., p. 79-80.
[15] Op. cit., p. 83.
[16] Op. cit., p. 83-84.
[17] HWANG, Tim; ROSEN, Lea. Op. cit., p. 3.
[18] Op. cit., mesma página.
[19] Op. cit., p. 3-4.
[20] Op. cit., p. 4
[21] GREIFENEDER, Rainer; JAFFÉ, Mariela E., NEWMAN, Eryn J.; SCHWARZ, Norbert. What is new and true about fake news? In: GREIFENEDER, Rainer; JAFFÉ, Mariela E., NEWMAN, Eryn J.; SCHWARZ, Norbert. The psychology of fake news: accepting, sharing, and correcting misinformation. Londres: Taylor & Francis, 2021.
[22] HWANG, Tim; ROSEN, Lea. Op. cit., p. 4.
[23] Op. cit., mesma página.
[24] CORREIO BRAZILIENSE. WhatsApp é a principal fonte de informação dos brasileiros, indica pesquisa. Disponível aqui. Acesso em 15/05/2022. Disponibilizado em 10/12/2019.
[25] CHEN, Long; CHEN, Jianguo; XIA, Chunhe. Social network behavior and public opinion manipulation. Journal of Information Security and Applications, v. 64, fev. 2022, p. 1-15, p. 1. Disponível aqui. Acesso em 21/05/2022.
[26] TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. TSE e plataformas digitais assinam acordo nesta terça-feira (15). Disponível aqui. Acesso em 23/05/2022. Disponibilizado em 14/02/2022.
[27] LINDEN, Sander van der; ROOZENBEEK, Jon. Psychological inoculation against fake news. In: GREIFENEDER, Rainer; JAFFÉ, Mariela E., NEWMAN, Eryn J.; SCHWARZ, Norbert. The psychology of fake news: accepting, sharing, and correcting misinformation. Londres: Taylor & Francis, 2021., p. 150.
[28] Op. cit., p. 151.
[29] FONSECA, Alexandre Brasil. Desinformação nas ciências e nas notícias: mais do que denunciar é preciso prenunciar. Disponível aqui. Acesso em 15/05/2022. Disponibilizado em 21/07/2020._
Exigência de certidões fiscais de faculdades pelo MEC é inconstitucional
O recurso especial é de fundamentação vinculada e exige que a parte aponte de forma inequívoca e suficientemente fundamentada o seu pedido, sob pena de não conhecimento por resvalar na Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal, mesmo com relação à preliminar de nulidade por negativa de jurisdição.
Ministério da Educação não pode exigir certidões fiscais para credenciar instituições
Marcos Oliveira/Agência Senado
Com base nesse entendimento, o ministro Castro Meira, do Superior Tribunal de Justiça, negou recurso especial interposto pela União contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região que julgou inconstitucional a exigência de comprovação de regularidade fiscal quando as instituições de ensino superior realizam o credenciamento e o recredenciamento institucional no Ministério da Educação.
A decisão que provocou o recurso especial no STJ foi proferida pela 8ª Turma Especializada do TRF-2. Ela atendeu a pedido de cumprimento de sentença em ação proposta pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior do Estado do Rio de Janeiro (Semerj), que já havia conseguido a flexibilização da exigência por meio do processo 2002.51.01.025411-6, que teve como alvo, na ocasião, condicionamento estipulado pelo Decreto nº 3.860/01, em feito julgado procedente, com decisão transitada em julgado.
A exigência foi retomada após a publicação do Decreto nº 5.773/06, que no seu conteúdo repetia as exigências que tinham sido declaradas inaplicáveis até então. A Semerj, então, ingressou com pedido de aplicação da decisão vigente, que foi indeferido pelo juízo de piso.
Os julgadores da 8ª Turma Especializada do TRF-2, contudo, acataram por unanimidade a apelação da entidade, com base no entendimento de que a Súmula 70 do Supremo Tribunal Federal já havia vedado a possibilidade de interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.
Gilberto da Graça Couto Filho, do escritório Covac Sociedade de Advogados, que representa a Semerj, comemorou a decisão. "A exigência de regularidade fiscal para a tramitação de atos regulatórios, já foi repelida de forma categórica pelo TFR-2 e pelo próprio STF , podendo a decisão ora obtida socorrer qualquer IES filiada ao Semerj que porventura não esteja com sua regularidade fiscal em vigor”, explica o advogado._
Juiz anula nota do governo que recomendava cloroquina contra Covid-19
Devido à ausência de certeza científica formal e ao risco de dano sério ou irreversível à saúde pública, a 4ª Vara Federal do Rio de Janeiro anulou uma nota informativa do Ministério da Saúde — e suas notas substitutivas — que recomendava o uso de cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19.
freepik
O documento foi publicado em maio de 2020, poucos meses após o início da crise sanitária, quando o Brasil tinha ainda 300 mil casos e 20 mil mortes pela doença. A ideia era orientar o uso de medicamentos no SUS para tratamento precoce dos pacientes com sintomas de Covid-19.
A nota foi substituída duas vezes nos meses seguintes, mas sem alterar substancialmente a original, e mantendo a recomendação de uso da cloroquina e hidroxicloroquina.
A Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade acionou a Justiça contra a União, argumentando que o protocolo contrariou inúmeros estudos científicos e pareceres de entidades médicas quanto à prescrição de tais medicamentos.
O juiz Mário Victor Braga de Souza observou que 18 das 32 referências bibliográficas da própria nota apontavam inexistência de evidências, indicavam uso apenas em casos graves, não mencionavam os fármacos, pontuavam a necessidade de mais estudos ou até demonstravam efeitos adversos graves. Além disso, o próprio ministério afirmava que ainda não havia ensaios que comprovassem o "beneficio inequívoco" dos remédios no tratamento da Covid-19.
"É patente a incerteza quanto ao custo-benefício do uso dos medicamentos cloroquina e hidroxicloroquina", ressaltou o magistrado. "O uso da terapia em questão pode causar um prejuízo evitável, desnecessário ou desproporcional ao provocado pela própria enfermidade que se pretende tratar".
Mário lembrou de vários estudos que apontavam a ineficácia e os efeitos adversos de tal tratamento e listou entidades internacionais e nacionais que não recomendaram o uso dos medicamentos, como a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e suas equivalentes norte-americana (FDA) e europeia (EMA).
Para o juiz, a manutenção da nota informativa ainda promoveria o direcionamento de verbas e o estímulo à adoção do tratamento "sem eficácia e segurança comprovadas", "sem observância às particularidades do paciente" e "sem o devido acompanhamento de possíveis efeitos adversos"._
Cartilha do TST orienta trabalhadores e empresas sobre conciliação em processos
O Tribunal Superior do Trabalho lança nesta segunda-feira (23/5) uma publicação para auxiliar milhares de trabalhadores que têm processo tramitando na Justiça do Trabalho a optarem pela conciliação: uma forma mais rápida e prática para solucionar o conflito.
A cartilha "Conciliação Trabalhista - Um guia para encontrar um acordo em seu processo" será lançada durante a cerimônia de abertura da Semana Nacional da Conciliação Trabalhista 2022.
O mutirão reúne ao longo da semana um esforço concentrado dos 24 Tribunais Regionais do Trabalho do país para finalizar processos por meio da conciliação. O evento de lançamento será às 10h, em Florianópolis, e segue até sexta-feira (27/5), em todo o país. Confira ao vivo a transmissão.
Toda hora é hora
A conciliação pode ser requisitada a qualquer hora, independentemente da fase em que o processo se encontra. Atualmente, cerca de 2 milhões de processos tramitam nas instâncias trabalhistas.
Destinada principalmente a pessoas e empresas, a cartilha busca, em linguagem simples e didática, explicar como funciona esse mecanismo efetivo e célere de solução das disputas judiciais. O guia informa, por exemplo, que mesmo sendo o ramo mais célere do Poder Judiciário, um processo trabalhista pode durar em média dois anos (entre decisões, recursos e tramitação nos três graus de jurisdição). Ao optar pela conciliação, a solução do processo acontece no mesmo dia.
A cartilha também lista dez motivos para conciliar, além de explicar quem pode solicitar a conciliação, bem como quando ela pode ser feita no processo trabalhista. O documento também explica como funciona uma audiência conciliatória na Justiça do Trabalho, além de indicar quais os contatos dos centros de conciliação distribuídos em todas as regiões do Brasil.
As versões impressas serão disponibilizadas nos Centros Judiciários de Métodos Consensuais de Solução de Disputas (Cejusc-JT) e nas Varas do Trabalho, mas, você pode consultar a versão digital. Confira. Com informações da assessoria de imprensa do Tribunal Superior do Trabalho._
Perdas e danos por exercício abusivo do direito de resilir
O direito de resilir unilateralmente o contrato, previsto pelo artigo 473 do Código Civil, é direito potestativo conferido ao contratante nos casos em que a lei permite a extinção do contrato por vontade de uma das partes somente e é instrumentalizado pela denúncia. Esse direito, contudo, não é exercido de maneira irrestrita.
Nos contratos em que, por sua natureza, uma das partes tenha investido consideravelmente a fim de cumprir com o que foi pactuado, o parágrafo único do artigo 473 do Código Civil restringe a eficácia da denúncia ao momento em que haja transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.
O instituto da resilição unilateral é discutido em recente acórdão do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.874.358/SP, julgado pela 3ª Turma com relatoria da Ministra Nancy Andrighi. Esta coluna descreverá o teor do acórdão, realizando-se sucinto comentário ao julgado em seguida.
Descrição do REsp 1.874.358/SP
A 3ª Turma do STJ deu provimento ao REsp 1874358/SP[1], condenando uma tomadora de serviços de telemarketing ao pagamento de indenização por ter denunciado o contrato com a prestadora dos serviços, com fundamento no artigo 473, parágrafo único do Código Civil.
O Acórdão recorrido foi proferido pela 10ª Câmara do TJ-SP, que mesmo reconhecendo os investimentos feitos pela prestadora de serviços para a execução do contrato e que a denúncia do contrato pela contraparte lhe ocasionou prejuízos, manteve a sentença de improcedência sob o entendimento de que a norma do parágrafo único do artigo 473 do Código Civil "somente poderia ser aplicada em caso de silêncio das partes neste sentido".
Ao reformar a decisão, a 3ª Turma teceu as seguintes conclusões, as quais serão contempladas brevemente no presente texto: (I) caso o tempo transcorrido na execução do contrato não tenha sido suficiente para que uma das partes recupere o investimento feito na intenção de cumprir a obrigação avençada, a denúncia configura abuso do direito de resilir, por força do artigo 473, parágrafo único, do Código Civil; (II) o abuso do direito de resilir pode ocorrer mesmo havendo cláusula contratual prevendo expressamente, a ambas as partes, a hipótese de resilição unilateral e as regras para sua invocação; e (III) o valor da indenização pelos danos causados por ato ilícito decorrente da denúncia prematura do contrato deve restringir-se a satisfazer aqueles custos estritamente necessários ao cumprimento do contrato.
Comentário ao REsp 1.874.358/SP
Quanto ao primeiro ponto, é certo que a possibilidade de indenizar por perdas e danos já era salientada pela 4ª Turma do STJ ao julgar caso similar ao qual ainda não era aplicável o Código Civil de 2002[2]. Nessa perspectiva, apesar de o parágrafo único do artigo 473 tratar somente da eficácia da denúncia, calando sobre a possibilidade de indenização por perdas e danos, tem-se que a configuração do ato ilícito, por meio da noção de que a denúncia em determinadas circunstâncias pode caracterizar abuso de direito, instrumentaliza a reparação de danos.
A noção de que o exercício do direito de resilição pelos contratantes pode ser abusivo em certos casos é difundida pela doutrina. Sobre o tema, Orlando Gomes ensina que "A resilição unilateral pode, todavia, acarretar prejuízo à parte destinatária da denúncia, em especial quando exercida abruptamente, o que pode configurar abuso de direito. É o que acontece, com frequência, nos contratos de distribuição".[3] No mesmo sentido, Silvio Venosa caracteriza como abusiva a resilição que não respeita o prazo necessário para que os investimentos sejam recuperados.[4]
Sob essa ótica, como indica Caio Mário da Silva Pereira, ora se considera que a responsabilidade pelos danos causados ao abusar-se do direito de extinguir unilateralmente o contrato é aquiliana, ora se considera a responsabilidade por abuso de direito como instituto autônomo[5]. De outro modo, é possível também defender que a obrigação de indenizar por perdas e danos é, na verdade, fruto de responsabilidade contratual, decorrente do descumprimento da obrigação pactuada por aquele que resiliu o contrato. Explica-se.
O parágrafo único do artigo 473 estabelece verdadeira condição à eficácia da denúncia pelo prazo compatível com o montante investido e sua natureza. Nas palavras de Paula Forgioni, "na prática, isso significa que o contrato continuará irradiando sua eficácia plena até o escoamento de tal prazo. (...) O eventual descumprimento da obrigação comporta os remédios previstos no ordenamento jurídico para a satisfação dos interesses do credor (por exemplo, execução específica, com todos os meios de apoio que lhe são próprios, ou mesmo perdas e danos)".[6]
Seguindo esse raciocínio, enquanto a denúncia é ineficaz, a parte que age como se o contrato houvesse sido extinto acaba por incorrer no inadimplemento das prestações subsequentes, que continuam exigíveis pela outra parte pelo tempo necessário à recuperação dos investimentos. Com o inadimplemento, por sua vez, a outra parte poderá requerer indenização por perdas e danos.
Sem adentrar à valoração das duas formas de conceber a responsabilização do contratante que denunciou prematuramente o contrato, é importante ressaltar que essa diferenciação tem repercussões relevantes quanto à disciplina da matéria. Um exemplo disso é a diferença dos prazos prescricionais nos casos de responsabilidade contratual e delitual.
O próximo ponto de reflexão é tocante à indiferença, para fins de aplicação do artigo 473, parágrafo único, do Código Civil, da existência de cláusula que preveja a possibilidade de resilição a ambas as partes. Nesta questão, o posicionamento da 3ª Turma foi ao encontro do anteriormente adotado pela 4ª Turma do STJ ao dar provimento ao REsp 1.555.202/SP[7].
No julgamento do REsp 1.555.202/SP, entendeu-se que a existência de cláusula prevendo a possibilidade de resilição imotivada a qualquer dos contratantes não afasta a responsabilização por ato ilícito, pois "A existência de cláusula contratual que prevê a possibilidade de rescisão desmotivada por qualquer dos contratantes não é capaz, por si só́, de afastar e justificar o ilícito de se rescindir unilateralmente e imotivadamente um contrato que esteja sendo cumprindo a contento, com resultados acima dos esperados, alcançados pela contratada, principalmente quando a parte que não deseja a resilição realizou consideráveis investimentos para executar suas obrigações contratuais".
Sobre essa questão, cabe ponderar se a previsão pelo contrato de incidência de multa destinada especialmente a coibir a resilição extemporânea por uma das partes, como permitido pelo artigo 409 do Código Civil, seria também indiferente para os fins de reparação de danos. Neste caso, a situação muda de figura. Isso pois, havendo cláusula penal estipulada pelas partes, a parte lesada pela resilição só poderá pleitear indenização suplementar por danos cujo valor exceda ao da multa pactuada caso isso lhe seja expressamente facultado e possa provar o prejuízo excedente, como prescreve o artigo 416, parágrafo único, do Código Civil.
Por fim, tanto a 3ª Turma, no julgamento do REsp 1.874.358/SP, quanto a 4 ª Turma, ao decidir a respeito do REsp 1.555.202/SP, tomaram como referência a obra de Cesar Santolim[8] ao analisarem a extensão do dano material a ser indenizado. Disso resultou que chegaram a conclusões idênticas, no sentido de que a indenização deve corresponder ao interesse positivo e deve restringir-se aos custos estritamente necessários à execução do contrato.
A equiparação da indenização ao interesse positivo parece ser acertada, pois significa que a parte lesada deverá ser conduzida à situação de cumprimento do contrato[9], o que se deduz da própria interpretação do artigo 473, parágrafo único, já que a previsão de ineficácia da denúncia visa prolongar o cumprimento do contrato pelas partes até ocorrer a recuperação dos investimentos realizados.
A restrição do valor a ser indenizado ao estritamente necessário para a execução do contrato conforme acordado afigura ser, por sua vez, medida necessária para evitar situações excessivas e que fogem ao escopo do artigo 473, parágrafo único, do Código Civil.
*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM)._
Licença-paternidade de 180 dias para pais solos e a decisão do STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, no último dia 12 de maio, que servidores públicos que sejam pais solos, sem a presença da mãe, têm direito a licença-paternidade de 180 dias. O Plenário da Corte Superior seguiu o entendimento do relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, para quem a licença é um direito da criança de ter a presença de um dos pais na primeira etapa de vida. A decisão tem repercussão geral, ou seja, servirá para embasar as demais instâncias do Judiciário em casos semelhantes.
O caso analisado foi o de um perito médico, pai de crianças gêmeas geradas por meio de fertilização in vitro e barriga de aluguel, que obteve na Justiça o direito à licença de 180 dias, por ser pai sozinho. O juiz da primeira instância afirmou que, apesar de não haver previsão legal nesse sentido, o caso é semelhante ao se uma situação em que houve a morte da mãe, uma vez que as crianças serão cuidadas exclusivamente pelo pai. Por isso, concedeu a licença estendida. A decisão foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), mas o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) recorreu ao STF, argumentando que a concessão do benefício é destinada à mulher gestante e que o pagamento sem a correspondente fonte de custeio viola a Constituição e traz prejuízo ao erário.
A decisão do STF evidencia o sentido das licenças relacionadas a paternidade ou maternidade. Quando existe, dentro do sistema previdenciário a proteção social relacionada a paternidade ou a maternidade, o principal interesse desse licenciamento não é nem do pai e nem da mãe e, sim, a criança. É necessário que haja a previsão de um licenciamento por paternidade ou maternidade porque a criança é um sujeito de direito tutelado de maneira especial dentro da Constituição Federal, ancorada no princípio da proteção integral das crianças e dos adolescentes, prevista no artigo 227. No texto está a garantia que o Estado, a sociedade e a família são responsáveis pela proteção integral desses sujeitos, crianças e adolescentes.
Então, quando o Supremo reconhece esse direito para o pai, e nesse caso especifico, trata-se de um pai que utilizou da fertilização "in vitro" por barriga de aluguel, é necessário que esse pai tenha um afastamento de suas atividades laborais, com o pagamento da sua remuneração sem qualquer tipo de prejuízo, justamente para que ele possa cuidar dessas crianças, desses recém-nascidos e consiga promover a assistência necessária para esse primeiro momento da vida dessas crianças.
Importante destacar que nesse caso o Supremo agiu de uma maneira protetiva e necessária. Essa decisão utilizou o tempo aplicável às mulheres de uma forma análoga para a concessão de uma licença-paternidade. A licença paternidade, ordinariamente, tem a duração de 20 dias. Entretanto, nesse caso foi concedida a licença por 180 dias que é o prazo reconhecido as mulheres no caso de licença-maternidade. Em outras ocasiões, o STF também fez uma análise desse tipo de licenciamento, de forma extensiva, ainda que não prevista na legislação, como é o caso de concessão de licença-maternidade para casais formados por pessoas do mesmo gênero e que tiveram a concepção de uma criança.
Portanto, o Supremo tem atuado em consonância com o texto da Constituição Federal nestes tipos da casos. É necessário que a legislação já traga essa previsão de uma forma simplificada justamente para evitar que esse tipo de ajuizamento seja necessário, que a gente precise aguardar o pronunciamento do Supremo sobre um assunto que é de interesse maior da sociedade, de interesse maior desses sujeitos de direito que gozam de proteção especial, que são as crianças e os adolescentes._
Investigado não tem direito subjetivo a acordo de não persecução penal, diz STJ
A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, seguindo posição do Supremo Tribunal Federal, reafirmou que o oferecimento de acordo de não persecução penal é decisão de competência exclusiva do Ministério Público — não se constituindo, portanto, em direito subjetivo do investigado.
Assim, o colegiado negou recurso em habeas corpus interposto pela defesa de um empresário denunciado por corrupção ativa no âmbito da investigação batizada de operação carne fraca, deflagrada em 2017 para apurar um suposto esquema de adulteração de carne em frigoríficos.
Previsto no artigo 28-A do Código de Processo Penal — incluído pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) —, o acordo de não persecução é uma espécie de negócio jurídico pré-processual entre a acusação e o investigado. Para a sua realização, são exigidos alguns requisitos: que o delito tenha sido cometido sem violência ou grave ameaça, com pena mínima inferior a quatro anos, e que o investigado tenha confessado formalmente a infração, entre outros.
No caso dos autos, após o encerramento da instrução penal, em 2019, em virtude do início da vigência do Pacote Anticrime, o magistrado abriu vista para que o Ministério Público Federal (MPF) se manifestasse sobre o interesse em propor o acordo de não persecução, mas o órgão se opôs à oferta porque, entre outras razões, a denúncia contra o empresário já havia sido recebida.
Recebimento da denúncia
Por meio do habeas corpus, a defesa alegou ausência de fundamentação legal para a negativa do MP, o que justificaria a intervenção judicial. Apontou, ainda, a possibilidade de oferecimento do acordo no curso da ação penal.
Relator do recurso no STJ, o ministro Ribeiro Dantas mencionou julgamento do STF no sentido de que o acordo de não persecução penal tem aplicação nos procedimentos em curso até o recebimento da denúncia. Ele lembrou que a acusação contra o empresário foi recebida em abril de 2017 — quase dois anos antes da entrada em vigor do Pacote Anticrime.
"A Lei 13.964/2019, no tocante ao artigo 28-A do CPP, não pode retroagir após o recebimento da denúncia. Descabe, pois, falar em retroatividade da Lei 13.964/2019 e, por consectário, em abertura do prazo para oferta de acordo de não persecução penal", completou o ministro.
Reprovação e sanção do crime
Ainda segundo o relator, além de apontar a irretroatividade da nova lei, o MPF deixou de oferecer o acordo por entender que a solução não seria suficiente para a reprovação e a prevenção do crime, destacando que o delito foi praticado no contexto de uma rede criminosa com a participação de vários empresários do ramo alimentício e de servidores do Ministério da Agricultura.
Citando precedentes do STF e do STJ, Ribeiro Dantas ressaltou que a lei penal não obriga o MP a oferecer o acordo de não persecução, cabendo ao órgão — em decisão devidamente fundamentada — optar pela oferta ou prosseguir com a denúncia, de acordo com as circunstâncias do caso.
Como se trata de uma faculdade do MP, concluiu o ministro, não cabe ao Poder Judiciário determinar que seja oferecido o acordo de não persecução penal. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça._
Para recurso intempestivo, juros sobre honorários fluem no dia seguinte ao fim do prazo
Se o recurso for considerado intempestivo, ou seja, apresentado fora do prazo designado, a incidência dos juros de mora sobre os honorários de sucumbência começa no dia seguinte ao fim do prazo recursal.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJ-DF) que considerou como termo inicial dos juros moratórios a data do trânsito em julgado da decisão que inadmitiu o recurso especial (16/12/2019), e não a data do primeiro trânsito em julgado certificado nos autos (24/5/2019).
No caso analisado, houve sentença que extinguiu o processo sem julgamento do mérito, com a condenação da parte ao pagamento de 10% sobre o valor da causa. Como não houve recurso, foi certificado o trânsito em julgado em 24/5/2019.
Contudo, a parte interpôs apelação, a qual não foi conhecida em razão de intempestividade, com majoração dos honorários sucumbenciais em 1%. Contra essa decisão, foi manejado recurso especial, que também não foi admitido, tendo sido certificado novo trânsito em julgado em 16/12/2019.
Para o TJ-DF, os juros de mora deveriam contar da data do último trânsito em julgado (16/12/2019), porque houve majoração dos honorários sucumbenciais em segundo grau — momento em que, segundo o tribunal, ficou definitivamente fixado o seu valor.
Formação da coisa julgada
A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, explicou que a divergência dos autos era definir se a sentença transitou em julgado em 24/05/2019 — data do fim do prazo para interposição da apelação e da primeira certificação de trânsito em julgado — ou em 16/12/2019 — dia em que transitou em julgado a decisão que inadmitiu o recurso especial, com nova certificação de trânsito.
A relatora destacou que, nos termos do artigo 502 do Código de Processo Civil de 2015, denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.
Ainda sobre o tema, Nancy Andrighi citou precedentes do STJ no sentido de que o recurso intempestivo não impede a formação da coisa julgada, de modo que a decisão que atesta a sua intempestividade não adia o termo inicial do trânsito em julgado – que ocorre imediatamente no dia seguinte à expiração do prazo para a interposição do recurso.
"Desse modo, na hipótese de intempestividade do recurso, a coisa julgada forma-se no dia seguinte ao transcurso do prazo recursal, sendo esse o termo inicial dos juros de mora incidentes sobre os honorários sucumbenciais", resumiu a ministra.
Esgotamento de prazo
No caso dos autos, Nancy Andrighi ressaltou que o trânsito em julgado ocorreu em 24/5/2019 — data da primeira certificação —, pois foi nesse momento que se esgotou o prazo para apelar da sentença. Por consequência, a relatora afastou o dia 16/12/2019 — data da segunda certificação de trânsito em julgado referente à decisão que inadmitiu o recurso especial – como marco inicial dos juros, exatamente porque o recurso de apelação não foi conhecido em razão da intempestividade.
"Somado a isso, a existência de certificado do trânsito em julgado, quando da interposição do recurso, evidencia ter sido manejado para procrastinação da demanda", concluiu a ministra ao dar provimento ao recurso especial. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.