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A obesidade como critério determinante de vacinação prioritária contra a Covid-19
1) A Lei Brasileira de Inclusão e seus conceitos essenciais
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência — Lei n° 13.146, de 6/7/2015), à qual nos referiremos utilizando a sigla LBI, determina a remoção de barreiras como meio de inclusão das pessoas com deficiência e também as de mobilidade reduzida.
O nosso objetivo é verificar em que medida a obesidade permite a incidência das normas da LBI, determinando a priorização da vacinação contra a Covid-19 às pessoas com obesidade, como forma de cessação da discriminação a que estão submetidos pela manutenção de uma barreira atitudinal que, inclusive, vitimiza e agrava os quadros de infecção dessas pessoas, o que contribui para o colapso do sistema de atendimento hospitalar, nas redes pública e privada.
Iniciaremos com a apresentação de alguns conceitos constantes da LBI que devem ser analisados e, em seguida, verificaremos como a medicina vem realizando o diagnóstico da obesidade, caracterizando-a como uma doença a merecer urgente priorização na vacinação.
O objetivo da LBI é claro e afirma que, mediante a remoção de barreiras, deve assegurar e promover a inclusão social das pessoas com deficiência, bem como das pessoas com mobilidade reduzida, para que exerçam em igualdade com as demais os seus direitos e suas liberdades fundamentais.
A LBI foi editada para atender ao mandamento da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada em Nova York em 30/3/2007, aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186/2008 e, posteriormente, promulgada pelo presidente da República por meio do Decreto nº 6.949/2009, passando a ter o status de emenda constitucional por força do previsto no §3º do artigo 5º da Constituição Federal de 1988.
Trata-se de um diploma legal de grande destaque no cenário jurídico, pois seus marcos normativos são a própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e a Convenção da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, como bem destacados pela doutrina de Luiz Alberto David Araújo e Waldir Macieira da Costa Filho [1].
A proteção das pessoas abrigadas pela LBI encontra na Constituição Federal de 1988 diversos dispositivos que ecoam os direitos por ela veiculados. Destacamos, além da isonomia (ou princípio da igualdade), garantida no caput do artigo 5º, o princípio da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República, previsto no inciso I do artigo 1º, para a construção de uma sociedade livre, justa, igualitária, que deve proceder à redução das desigualdades sociais como um dos objetivos fundamentais elencados no seu artigo 3º.
Dada a necessidade de corrigir um lamentável histórico de omissão do Brasil em relação às pessoas com deficiência, a Constituição previu dispositivos específicos destinados às suas proteções, conforme o §2º do artigo 227. Anteriormente a esse dispositivo, a previsão de criação de normas destinadas a garantir acesso adequado às pessoas com deficiência aos edifícios públicos e ao transporte coletivo (artigo 224), sendo que o inciso XXXI de seu artigo 6º garante que o trabalhador com deficiência não pode sofrer discriminação com relação a salários e critérios de admissão no trabalho, determinando-a (inciso VII do artigo 37). Ainda no texto constitucional, encontra-se a instituição de percentual mínimo obrigatório de vagas nos cargos públicos para pessoas com deficiência. Ainda, no inciso IV do seu artigo 203 previu como um direito a integração com a vida comunitária, garantindo às pessoas com deficiência o recebimento de um salário mínimo, caso estes comprovem não possuir meios de prover sua subsistência, ou tê-la provida por sua família.
Em relação ao seu segundo marco normativo, a referida convenção da ONU apresenta diversos conceitos e definições adotados pelo texto vigente da LBI, promovendo a mais importante mudança de paradigma no que diz respeito ao próprio conceito de pessoa com deficiência, deixando de adotar o conceito puramente médico até então vigente no Brasil, para considerar as condições socioambientais que constroem e/ou mantêm as barreiras existentes na realidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida que impedem suas plenas inclusões.
Os conceitos que merecem destaque para os limites do presente artigo são: o conceito de pessoa com deficiência, o conceito de barreiras e, entre elas, o conceito de barreira atitudinal, o conceito de acessibilidade e mobilidade, destacando-se a mobilidade reduzida. Vejamos.
Encontramos, em seu artigo 2º, que "considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas".
Trata-se de um conceito socioambiental e intimamente relacionado com o de barreira. Uma vez removida, permitirá a sua inclusão e participação plena e efetiva na sociedade em igualdade com as demais pessoas. Portanto, a inclusão ocorre com a remoção dos entraves que impedem a pessoa de estar com os demais indivíduos numa relação de igualdade.
Os impedimentos de longo prazo obstruem suas inclusões ao interagirem com as barreiras. Nesse sentido, uma doença de longo prazo pode caracterizar uma deficiência, sendo certo que a avaliação da deficiência, se necessária, será biopsicossocial e levada à efeito por equipe multiprofissional e interdisciplinar. Obviamente, para o caso das doenças que promovem os impedimentos de longo prazo o diagnóstico feito por médico é absolutamente essencial.
O artigo 3º, inciso IV, define o que é barreira, afirmando tratar-se de "qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros", passando a classificá-las em um rol que inclui as urbanísticas, as arquitetônicas, as tecnológicas e, a que merece a nossa especial atenção, as barreiras atitudinais.
Estas, de acordo com o mesmo artigo 3º, inciso IV, na alínea "e", estará presente sempre que se identificar "atitudes ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas".
Atitudes comissivas e omissivas erigem e/ou mantêm as barreiras e, como consequência, discriminam as pessoas, mantendo-as excluídas.
Outros dois conceitos importantes para as considerações aqui realizadas são os de acessibilidade e o de mobilidade reduzida.
O significado de acessibilidade vem expresso no inciso I do mesmo artigo 3º, a saber: "Possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida".
O inciso IX apresente o último dos conceitos que devem ser considerados no presente artigo. Afirma que pessoa com mobilidade reduzida é "aquela que tenha, por qualquer motivo, dificuldade de movimentação, permanente ou temporária, gerando redução efetiva da mobilidade, da flexibilidade, da coordenação motora ou da percepção, incluindo idoso, gestante, lactante, pessoa com criança de colo e obeso".
Pela simples consideração dos conceitos observa-se que a obesidade constitui um dos fatores a merecer a especial proteção da LBI.
Resta-nos identificá-la, relacioná-la como doença em si e desencadeadora de outras doenças pelas consequências que promove ao longo da vida do indivíduo com obesidade e destacar suas implicações com a infecção provocada pelo Sars-CoV-2, para deixar claro que as pessoas com obesidade devem compor o grupo prioritário na vacinação pois correm maiores riscos de complicações e morte.
2) Obesidade, uma enfermidade crônica e progressiva.
Pela definição da Organização Mundial da Saúde, obesidade é o excesso de gordura corporal, em quantidade que determine prejuízos à saúde. Uma pessoa é considerada portadora de obesidade quando seu Índice de Massa Corporal (IMC) é maior ou igual a 30 kg/m² e a faixa de peso normal varia entre 18,5 e 24,9 kg/m² [2].
A obesidade é uma doença multifatorial, em que fatores genéticos, metabólicos, sociais, psicológicos e ambientais estão envolvidos.
No Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2003 e 2019 a proporção pessoas com obesidade na população com 20 anos ou mais de idade do país mais que dobrou, passando de 12,2% para 26,8%.
No período, a obesidade feminina passou de 14,5% para 30,2% e se manteve acima da masculina, que subiu de 9,6% para 22,8%.
Já a proporção de pessoas com excesso de peso na população com 20 anos ou mais de idade subiu de 43,3% para 61,7% nos mesmos 17 anos. Entre os homens, foi de 43,3% para 60% e, entre as mulheres, de 43,2% para 63,3%.
A obesidade é fator de risco para uma série de doenças. As pessoas com obesidade têm mais incidência de diversas condições associadas, tais como a hipertensão arterial, as doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, apneia do sono, artroses e maior chance do desenvolvimento de câncer.
3) Obesidade e desfechos da Covid-19
A obesidade, junto com suas doenças associadas como hipertensão e diabetes, são as causas mais comuns de doenças graves e óbitos causados por diversas doenças infecciosas virais, incluindo a infecção pelo Sars-CoV-2.
Recentes estudos comprovaram que logo após a população da faixa etária acima dos 70 anos, o sobrepeso e obesidade são preditores altamente significativos de desenvolvimento de complicações de Covid-19, incluindo a necessidade de hospitalização, para terapia intensiva e para ventilação mecânica.
A obesidade e suas doenças associadas, também são preditores de morte por Covid-19, conforme as recentes estudos publicados [3].
Relatório da Federação Mundial de Obesidade [4] mostra que em países onde menos da metade da população adulta é classificada como com sobrepeso/obesidade, a probabilidade de morte por Covid-19 é uma pequena fração — cerca de um décimo — do nível visto em países onde mais da metade da população é classificada como excesso de peso.
Dos 2,5 milhões de mortes por Covid-19 relatadas até o final de fevereiro de 2021, 2,2 milhões ocorreram em países onde mais da metade da população é classificada como com excesso de peso.
4) Vacinação como estratégia de contenção da disseminação do Sars-CoV-2
Os sistemas de saúde público e privado no Brasil estão sobrecarregados com as internações por Covid-19 e por outras enfermidades que também necessitam de cuidados, incluindo doenças crônicas como as oncológicas e as emergências. As medidas de isolamento social e uso de máscaras tem efeito limitado para a diminuição da disseminação de doenças virais respiratórias. A grande maioria da população global permanece suscetível a Covid-19, destacando a necessidade de uma vacina eficaz.
Dada a imunidade populacional limitada ao Covid-19 [5], a vacinação continua sendo uma medida preventiva chave para reduzir a carga de doenças e mitigar surtos futuros. A vacinação tem um impacto substancial na redução da incidência, hospitalizações e mortes, especialmente entre indivíduos vulneráveis com comorbidades e fatores de risco associados a Covid-19 grave [6].
Portanto, já que é evidente a necessidade de desafogar os sistemas de saúde no país e que a vacinação é comprovadamente eficaz para a redução de internações e mortalidade, é imperioso o desenvolvimento de estratégias de priorização da população de maior risco. A vacinação prioritária dos portadores de obesidade é fundamental, além de constituir um direito consagrado na LBI._
TJ-SP promove três magistrados ao cargo de desembargador da Corte
Por unanimidade, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo aprovou a promoção de três magistrados ao cargo de desembargador da Corte: Luis Roberto Reuter Torro e Marcelo Semer, ambos por antiguidade, e Luis Fernando Camargo de Barros Vidal por merecimento.
TJ-SPTJ-SP promove três magistrados ao cargo de desembargador da Corte
Os três serão empossados em cerimônia virtual nesta quinta-feira (8/4). Semer e Vidal já atuavam no TJ-SP como juízes substitutos em segundo grau - o primeiro integra a 10ª Câmara de Direito Público, e o segundo está na 4ª Câmara de Direito Público.
Já Torro era juiz titular I da 2ª Vara da Família e das Sucessões do Foro Regional IX - Vila Prudente, na capital paulista. As cadeiras estavam abertas em decorrência das aposentadorias dos desembargadores Roberto Galvão de França Carvalho, Denise Andréa Martins Retamero e Manoel de Queiroz Pereira Calças, que presidiu o tribunal no biênio 2018-2019.
Novas Varas especializadas
O TJ-SP instala nesta quinta-feira (8/4) três novas unidades judiciais em Hortolândia (2ª e 3ª Varas Cíveis e a 2ª Vara Criminal), além de um prédio que abrigará quatro setores do Judiciário local. Com a especialização de Varas na comarca, as antigas unidades serão renomeadas e os processos redistribuídos de forma equitativa.
Os magistrados titulares das novas unidades serão os juízes Christiano Rodrigo Gomes de Freitas (2ª Vara Criminal), Cinthia Elias de Almeida (2ª Vara Cível) e Marta Brandão Pistelli (3ª Vara Cível).
Em Hortolândia, estão em andamento atualmente 21.489 processos cíveis, 10.138 criminais, 788 da Infância e Juventude, 2.590 processos de competência do Juizado Especial Cível e Criminal e 27.930 execuções fiscais, segundo dados de fevereiro de 2021._
CNJ aprova reestruturação de comitês que orientam decisões na área da saúde
O Conselho Nacional de Justiça aprovou por unanimidade ato normativo que dispõe sobre a reestruturação dos comitês estaduais de saúde. A proposta aprovada nesta terça-feira (6/4) tem como objetivo fortalecer os Comitês Estaduais de Saúde, principalmente durante a crise da Covid-19.
Proposta foi aprovada nesta terça-feira (6/4)
CNJ
A relatora do processo, conselheira Candice Lavocat Galvão Jobim, defendeu em seu voto que a proposta "facilitará o diálogo interinstitucional com os diversos atores do Sistema de Justiça e do sistema de Saúde, tendo como finalidade a contribuição com ações atinentes às demandas, especialmente quanto à racionalização e qualificação da judicialização da saúde no Brasil".
A resolução aprovada é uma resposta aos representantes dos Comitês Estaduais de Saúde que levaram ao conhecimento do Comitê Executivo Nacional do Fórum Nacional da Saúde as dificuldades enfrentadas na condução de processos sobre questões de direito à saúde, em relação à ausência de uma estrutura mínima e condições homogêneas dos comitês nos tribunais de Justiça dos estados.
O presidente do CNJ, ministro Luiz Fux, reforçou a importância da aprovação do ato, no sentido de aumentar a capilarização dos comitês, "estando o nosso Comitê Executivo Nacional (Fórum Nacional da Saúde do Poder Judiciário) no ápice, para regulamentar — em caráter geral — sem prejuízo na atuação dos estaduais".
Entre os pontos aprovados está o de orientar os tribunais a disponibilizar espaço eletrônico para permitir o acesso ao banco de dados com pareceres, notas técnicas e julgados na área da saúde, criado e mantido pelo CNJ, o NatJus Nacional, para consulta pelos magistrados e demais operadores do direito.
Outro ponto de destaque é que coordenação e a vice-coordenação do Comitê Estadual de Saúde serão bienais e alternadas entre as justiças estadual e federal. O critério de alternância da coordenação poderá ser relevado por acordo entre os Tribunais, prorrogando-se o mandato do tribunal em exercício, com ciência ao CNJ. Com informações da assessoria de imprensa do Conselho Nacional de Justiça._
A ideia de não violência tem origem no termo sânscrito — ahimsa — o qual orientou a proposta política de Mahatma Gandhi e contribuiu para a independência da Índia. Para Gandhi, "o primeiro princípio da ação não violenta é a não cooperação com qualquer forma de humilhação".
O termo influenciou o psicólogo estadunidense Marshall Rosenberg no desenvolvimento de uma metodologia de comunicação voltada para a verdadeira e concreta conexão entre os interlocutores [1].
Basicamente, a metodologia está centrada em dois pilares — como me expresso e como escuto —, sendo que cada um deles busca o estabelecimento da conexão consigo mesmo e com o outro através de quatro componentes: observação, identificação de sentimentos, identificação das necessidades subjacentes aos sentimentos e um pedido claro.
Ao se expressar utilizando a comunicação não violenta, a pessoa observa a si e manifesta-se de forma honesta e autêntica, apontando os sentimentos e as necessidades que estão desatendidas, formulando pedidos em busca do apoio pretendido para a satisfação de suas necessidades.
Por outro lado, para escutar fazendo uso da metodologia, o sujeito procurará identificar na expressão do outro o que ele está observando, os sentimentos que podem estar presentes nele, as necessidades que estão subjacentes e auxiliá-lo a manifestar um pedido que possa atender às necessidades de todos. Para escutar com apoio na CNV é preciso desenvolver empatia, independentemente de o interlocutor também ser iniciado na metodologia.
Em uma breve análise desses componentes, pode-se resumir que, a partir da observação, busca-se identificar os fatos ou atos desencadeadores de situações conflitivas e dissociá-los das interpretações que sobre eles são lançadas com base nas experiências passadas ou expectativas futuras. As interpretações são impressões pessoais e estão baseadas no histórico de vida de cada indivíduo, de modo que aquilo que para um ou alguns provoca sentimentos desagradáveis, pode não causar as mesmas emoções ou sentimentos em outros. Sendo assim, conclui-se que os sentimentos estão mais relacionados à forma como os fatos são interpretados, que aos fatos em si mesmos.
O segundo componente são os sentimentos. Uma vez identificado o fato, é possível seguir a análise quanto aos sentimentos que são acionados (e não causados) na situação observada. Embora pareça simples, a verdade é que poucos detém conhecimento suficiente sobre os próprios sentimentos, e por isso Marshall Rosenberg chega a elencar um rol de sentimentos para que seus leitores exercitem essa identificação nas diferentes situações, inclusive nas mais cotidianas e simples. Essa inabilidade ocorre porque por muitas gerações se aprendeu a suprimir sentimentos, considerando-os sinais de fraqueza, sobretudo em uma sociedade patriarcal. Marshall, na comunicação não violenta, vem resgatar o poder da vulnerabilidade e apontar o caminho libertário que o conhecimento de si mesmo é capaz de trilhar na medida em que a identificação dos sentimentos e das situações que os provocam naturalmente proporcionam autodomínio.
A identificação dos sentimentos conduz ao próximo componente da CNV, que são as necessidades. Os sentimentos desagradáveis não são causados pelas situações da vida, mas pelo desatendimento de alguma necessidade ou valor importante para aquele que sente. São, portanto, mensageiros de que há alguma necessidade demandando atenção e cabe àquele que sente conectar-se com essa necessidade e buscar alternativas para atendê-las; o que conduz ao próximo componente, que é o pedido.
Compreendida a necessidade que provoca os sentimentos desagradáveis, torna-se possível formular pedidos claros dirigidos especificamente ao atendimento do que se necessita.
O cerne da CNV é excluir o que Marshall denomina de comunicação que bloqueia a compaixão, a qual está centrada em julgamentos e impedem que a conexão e a vontade de contribuir para que o bem-estar do outro se estabeleça. A partir do momento em que o indivíduo é capaz de conectar-se consigo mesmo e assumir responsabilidade por seus sentimentos e por traçar as estratégias para a satisfação de suas necessidades, produz-se um alívio na relação com o outro, favorecendo que este receba os pedidos de colaboração com maior disponibilidade para acolhê-los.
É possível perceber, assim, que o percurso proposto pela comunicação não violenta avança para além do que seria um jeito de falar. Trata-se, na verdade, de um novo paradigma de relacionamento ou mesmo uma filosofia de vida pautada pela honestidade, pela autorresponsabilidade, pelo autodomínio e, consequentemente, pela liberdade, do que naturalmente resultam conexões transparentes e saudáveis.
A proposta é coesa, lógica e aponta um caminho diferente para a solução de conflitos que o habitual jogo de acusações, centrado na busca por culpados e na correspondente punição. Mesmo considerando a maior sutileza e sofisticação de violências estruturais como a violência doméstica e familiar contra a mulher, é preciso considerar a via proposta como uma alternativa para a abordagem do conflito tendo em vista, sobretudo, o potencial empoderador e, consequentemente, libertador que guarda em si.
Ainda que, evidentemente, não se possa esperar que a mulher em situação de violência doméstica e familiar devesse impedir a violência contra si praticada (o que caracterizaria a vitimização em segundo grau), é perfeitamente possível oferecer-lhe apoio para a elaboração de estratégias que propiciem um futuro pautado por relacionamentos saudáveis, deixando de reforçar nela a impotência ínsita à condição de vítima, a quem somente resta aguardar a punição do culpado pela ofensa sofrida.
Quer-se com isso ressaltar que a condução de todo acolhimento, tratamento ou prevenção da violência doméstica em uma abordagem não violenta, ou seja, que mantenha o seu foco na satisfação das necessidades da mulher (financeira, afetiva, emocional, moral), e não no hipotético senso de justiça que decorre da punição, exposição e humilhação do autor da violência, terá mais condições de lhe proporcionar consciência do seu poder pessoal e de sua capacidade de co-construir relacionamentos saudáveis e positivos.
O desenvolvimento e o fomento desse poder devem ser reconhecidos em sua importância e eficácia como estratégias para o combate e erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher.
Ao lado disso, vale consignar que essa abordagem não julgadora do conflito — e aqui não se está falando, por óbvio, em renúncia à persecução criminal, às concessões de medidas protetivas de urgência e demais consequências legais do ato violento em si, mas de um tratamento dirigido ao autor da violência que seja pautado pela ideia de responsabilidade, e não de culpa — será capaz de proporcionar o alívio nas tensões do relacionamento, referido linhas atrás, o que também tem potencial contributivo para que se alcance uma resposta mais eficaz e duradoura para o conflito.
É no caminho de Gandhi, com disponibilidade para olhar para as necessidades da mulher, aquelas mais íntimas e muitas vezes pouco trazidas à consciência em uma sociedade que pouco valoriza e incentiva o autoconhecimento, que podemos pensar em dar novos passos para muito além das estratégias que já conhecemos e aplicamos.
Apamagis transmite live sobre futuro da democracia com a presença de Temer
Nesta quarta-feira (7/4), a Associação Paulista de Magistrados (Apamagis) promove uma live com o tema "O Futuro da Democracia". Michel Temer, ex-presidente da República, participará como convidado.
Divulgação
Também estarão presentes o ministro Paulo Dias de Moura Ribeiro, do Superior Tribunal de Justiça, o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor da PUC-SP Marco Antônio Marques da Silva; e Vanessa Mateus, juíza da 8ª Vara Cível do Fórum João Mendes (SP) e presidente da Apamagis.
O evento tem início às 17h30 e será transmitido pelo canal da Apamagis no YouTube._
TRF-2 adere ao programa Justiça 4.0 para uso colaborativo de tecnologias
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, vai implantar o Programa Justiça 4.0, uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho de Justiça Federal (CJF) que promove o acesso à Justiça por meio de ações e projetos de uso colaborativo de novas tecnologias e inteligência artificial.
Sede do TRF-2 no Rio de JaneiroTRF-2
Dentre os projetos que serão levados ao TRF-2 estão a plataforma Sinapses, de inteligência artificial, Plataforma Digital do Poder Judiciário, o Juízo 100% Digital e o Balcão Virtual. O programa também deve auxiliar no aprimoramento dos registros processuais primários, na higienização e envio dos dados para a Base Nacional de Dados do Poder Judiciário (DataJud) e na implantação de extrator do Codex, que consolida decisões e documentos em texto.
Com a Plataforma Digital do Poder Judiciário, o TRF-2 poderá colaborar com os outros órgãos do Judiciário, propondo melhorias ou aproveitando soluções já disponíveis. Exemplos de iniciativas já criadas por lá são o Centro de Conciliação 100% Digital, que agiliza acordo em processos na segunda isntância, e o portal MonitoraPrev, que fornece dados estatísticos em tempo real sobre ações previdenciárias.
"O Programa Justiça 4.0 está ligado à evolução que aponta para a Justiça do futuro. Ele representa a introjeção da tecnologia para fornecer maior efetividade ao Poder Judiciário", afirma o presidente do CNJ, ministro Luiz Fux.
No último dia 15/3, o CNJ e o CJF haviam permitido a adesão dos Tribunais Regionais Federais ao programa sem necessidade de assinatura de novos convênios. Os TRFs da 3ª Região e da 5ª Região já haaviam aderido. Também já firmaram cooperação técnica para implantar as soluções os Tribunais de Justiça do Amapá, da Bahia, do Espírito Santo, do Maranhão, do Rio Grande do Norte e do Rio de Janeiro, além do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região e os Tribunais Regionais Eleitorais do Amapá e do Espírito Santo. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ._
Historicamente a ciência criminal, segmento fundamental para a Justiça e a aplicação do Direito, constata o que poderíamos denominar "metamorfose do crime", ou seja, aquilo que sob determinadas circunstâncias caracteriza o modus operandi do criminoso.
Os grandes fenômenos que atingem a sociedade e as transformações radicais no comportamento implicam em aumento, diminuição e inúmeras outras formas e conteúdos no ato que atenta contra os princípios da lei.
Vivemos um período trágico cuja enormidade destrutiva pode ser comparada às guerras mundiais.
O número de vítimas, milhões de pessoas doentes e mortas, a saúde pública e privada sucateada pelo impacto da Covid-19, correm paralelos com realidades políticas, geográficas, tecnológicas que se impõem de forma vertiginosa.
Basta citar, como exemplo, o caso das redes sociais: o hacker, a instantaneidade e simultaneidade na comunicação.
Claramente trata-se de uma autêntica e profunda ruptura nas escalas de valores e procedimentos, tanto para o cidadão comum, respeitante dos princípios legais, como do criminoso, incapaz de se submeter às normas de frustração e contenção que a complexidade social exige.
O Estado democrático de Direito na conformidade da Constituição da República normatiza os limites da ação do aparelho governamental, assegurando as liberdades fundamentais que dignificam o ser humano e é nesse espaço que a ciência criminal deve evoluir para responder os dramáticos desafios contemporâneos.
O que importa é a demanda do sistema de segurança do país. Através dos governos municipais, estaduais, federal e das Forças Armadas deveria se traçar a mutabilidade desse novo perfil criminoso que emerge individualmente ou em formas organizadas de quadrilhas.
Essas facções pensam, agem e respondem de forma eficaz aos controles que forjam a proteção da cidadania e do bem público efetuando roubos, matando, traficando drogas, prostituindo e aproveitando as ruínas provocadas pela pandemia.
Na cadeia vertical de comando e horizontal de influência que corrompe os valores morais da civilização, existem o comércio de imigração ilegal, o uso de trabalho escravo e assaltos aos institutos legais que têm uma escalada que vai desde o vendedor de cocaína até a lavagem de dinheiro e do meliante da periferia até o político ou banqueiro sofisticado.
É um autêntico apocalipse, que metralha nos conflitos armados até os escaninhos ocultos de objetivos transacionais e que pode derrubar o mercado financeiro ou quebrar o sistema protetivo da saúde.
A criação de um Sistema Nacional de Gerenciamento de Incidentes, como já difundido no exterior, pode e deve ser a pedra fundamental para a padronização de enfrentamento não só do crime consumado, mas das antecipações de ações da bandidagem.
Enfim, necessitamos da ampliação do conceito de "segurança pública" para "segurança multidimensional", com integração dos três poderes (Legislativo, Executivos e Judiciário) e suas respectivas instituições; além da criação de um Sistema Nacional de Gerenciamento de Incidentes (como já difundido no exterior), que pode e deve ser a peça fundamental para uma metodologia de atuação organizada de enfrentamento não só do crime consumado, mas das antecipações de ações como prevenção, evitando, assim, um atraso caso aconteça o crime._
STF e o dilema RI x Plenário: Moro, suspeito, não é maior que a Corte
O título deste texto pode parecer dramático. Mas é disso mesmo que se trata. O Brasil viveu — admitamos — uma "ideologia lavajatista", que obnubilou, por um longo período, o pensamento jurídico brasileiro. Os personagens: Moro e seu auxiliares (e foi isso mesmo), o "Russo" e os "filhos de Januário", procuradores da força-tarefa.
Passados os anos, o Supremo Tribunal tomou duas grandes decisões — assumamos, paradigmáticas. A primeira foi a admissão do ministro Fachin de que a 13ª Vara de Curitiba foi incompetente para julgar os processos que envolviam o ex-Presidente Lula; a segunda, declarando a parcialidade-suspeição do juiz da causa, porque, entre outras coisas — e sem precisar usar os contundentes "diálogos" da operação spoofing — este (Moro) grampeou telefones dos advogados de defesa (do réu), o fundo do poço de qualquer agir judicial.
Agora, em face disso, há três grandes questões em aberto. Vamos a elas.
1. A incompetência do juízo de Curitiba
A primeira é a incompetência do juízo de Curitiba, declarada com base no artigo 192 do RISTF. Com isso, o min. Fachin alunou todos os processos contra o ex-Presidente Lula. Causa finita. O regimento permite a decisão monocrática quando a matéria está pacificada.
Como amicus da Corte, mais uma vez ousamos colaborar, para dizer que o Regimento Interno do STF não é uma super lei. Não vale mais do que a Constituição. Por isso deve ser interpretado em conformidade com a Constituição. E deve ser harmonizado com o restante da legislação processual. O RI não é uma ilha.
Assim, o artigo 22, que autoriza o relator a submeter determinada matéria ao Pleno "quando, em razão da relevância da questão jurídica ou da necessidade de prevenir divergência entre as turmas, convier pronunciamento do Plenário" não se aplica ao caso já julgado monocraticamente por Fachin. Qual é a condição para a afetação ao Plenário? Simples. A de que haja divergência. Isso não há. A matéria é relevante? Claro que é. Porém, somente a relevância não pode constituir gatilho para o reexame em plenário. Fosse assim e todas as matérias iriam para o plenário. Afinal, tratando-se da Suprema Corte, qual é a matéria que não é relevante?
De mais a mais, o artigo 22 do RISTF diz "submeter ao plenário". Não diz que o relator decide monocraticamente e depois submete ao pleno. A melhor leitura do RI, porque razoável, é a de que o relator, diante da necessidade de prevenir divergência (sim, tem de haver divergência), leva ao pleno como uma espécie de "questão de ordem". Mas, se não tem divergência, aplica-se o artigo 192. O que não dá é aplicar os dois dispositivos ao mesmo tempo. Esse é o ponto que parece estar sendo esquecido.
Claro que sabemos que o STF tem a posição de admitir que a remessa de HC ao plenário é ato discricionário do relator. OK. Mas isso não significa que essa posição do STF seja a melhor interpretação.
E por que ousamos dizer isso? Porque não nos parece razoável deixar que o relator decida, ao seu alvedrio, qual o habeas corpus que irá ao Plenário. Além do mais, parece razoável também dizer — repetimos — que essa remessa é anterior à decisão do relator, não se aplicando aos casos em que o relator decida monocraticamente exatamente porque não há divergência. O regimento não deve ser interpretado em fatias.
Salientamos, além disso, que o Ministério Público não é parte em habeas corpus. Nesse sentido, um interessante acórdão do STF (HC 69.889/ES — Rel. min. Celso de Mello). Aqui também vale visitar os argumentos constantes no voto do min. Gilmar na ADPF 758. Veja-se: o artigo 192 não está isolado. Ele é pré-judicial e prejudicial ao inciso XI do art. 21 do RISTF.
Vamos, agora, ao artigo 22: "O Relator submeterá o feito ao julgamento do Plenário (...) b) quando, em razão da relevância da questão jurídica ou da necessidade de prevenir divergência entre as Turmas, convier pronunciamento do Plenário".
A letra "b" supracitada não se aplica porque não se configura a condição para a perfectibilização da hipótese legal, qual seja, a de que haja matéria de divergência (é pacifico que a vara de Curitiba só pode julgar matéria que envolva Petrobras). Por isso, parece lógico afirmar que não é necessário prevenir divergência sobre algo em que não há divergência.
Na verdade, o artigo 22 só tem sentido se for entendido como sendo um dispositivo que busca o full bench (plenário, banca cheia). Essa é a leitura constitucionalmente adequada do dispositivo. O RISTF não pode travestir uma afetação ao plenário em recurso de ofício da turma para o plenário. Ou julga na Turma ou julga direto no Plenário.
Por isso, o RISTF deve ser interpretado conforme a Constituição. Explicando: Se o inciso IX do art. 21 contivesse a expressão "quando for o caso", poder-se-ia aceitar, com boa fundamentação, a remessa. Mas sempre per saltum, é claro. Antes. E não depois de decisão monocrática.
Isto porque parece claro que o artigo 21 é procedimental. Ou seja, relator envia quando for o caso. E os casos estão dispostos no art. 22, parágrafo único, alíneas a e b (divergência ou relevância do tema). Entender diferentemente é assentar que a definição do juiz natural deixará de ser exsurgente da lei e se converterá em escolha subjetiva do Relator — e isso é-será inconstitucional.
2. O caso da suspeição-parcialidade do juiz Sérgio Moro
A segunda questão advém do desejo de Fachin e do MPF em levar ao Plenário a decisão que julgou a suspeição de Moro. A 2ª Turma concluiu o julgamento. Causa finita. Não existe recurso de Turma para o Plenário. Todos os argumentos despendidos acima aqui se aplicam. Ainda com mais vigor e pertinência.
Um réu não pode ser julgado duas vezes pelo mesmo tribunal, mormente se foi vencedor no primeiro julgamento. Seria uma reformatio in pejus que seria feito pelo Plenário do STF, o que é vedado pelo Direito mundial.
Pendurada nessa segunda questão está a tentativa, de Fachin, de buscar fazer com que a incompetência por ele declarada (da qual ele, paradoxalmente, desconfia, porque recorreu de si mesmo para o Plenário) prevaleça sobre a suspeição também já declarada. Ora, temos duas questões: a incompetência está declarada e a suspeição também. Causa finita. Qualquer alteração contra o réu ou paciente é reformatio in pejus. Simples assim.
Além disso, considerar que a incompetência é mais grave do que a suspeição-parcialidade é inverter as prioridades e os princípios que regem o processo penal. Direito se julga por princípio e não por políticas, alerta Dworkin. A incompetência é estrutural e a parcialidade é personalíssima. O que vale mais?
3. A extensão da parcialidade
Isso leva à terceira questão: a parcialidade-suspeição já declarada pode ser estendida aos outros processos do esmo paciente, julgados e instruídos pelo mesmo juiz?
A resposta é sim. Explicaremos. O juiz foi parcial porque (i) conduziu o ex-presidente quando não poderia fazê-lo nas circunstâncias em que o fato ocorreu, com todos os holofotes, a humilhação e quejandos. Também (ii) foi julgado parcial porque mandou interceptar, ilicitamente, telefones dos causídicos do paciente. Também (iii) foi considerado parcial porque divulgou, ilicitamente, conversa entre o paciente e a ex-Presidente.
São no mínimo três pontos tóxicos que envenenam — para usar a linguagem da teoria que se originou nos Estados Unidos — não somente "o processo" que originou o habeas corpus "mãe", como também todos os processos em que se encontram presentes os fatores personalíssimos.
Isto é: se Moro foi parcial em relação a um processo do ex-Presidente, também o foi nos demais processos. Suspeição-parcialidade (aqui dá no mesmo) é característica do julgador, que age de determinado modo, vedado pela lei, em relação a um réu.
Assim, na metáfora da teoria "Fruits of the Poisonous Tree", a árvore é o juiz e seu agir contrário à lei. Todos os frutos que disso saem, envolvendo as circunstâncias pessoais dele, juiz, e do réu que sofreu os atos parciais, são envenenados.
Portanto, não parece haver maiores complexidades na extensão dos efeitos da declaração de parcialidade aos outros processos que tenham sido manejados, instruídos e sentenciados pelo juiz-suspeito. Mesmo o processo em que o juiz não sentenciou recaem os efeitos da parcialidade. A simples "colheita" dos frutos feita por outro magistrado não purifica os frutos, inaptos para consumo jurídico.
4. O STF e a história
Resumindo, o STF não pode cair em uma armadilha histórica. A afetação ao Plenário, em determinadas circunstâncias — como é o caso de Fachin e do caso da suspeição — parece indicar o malsinado “recurso de ofício”. Até um autor conservador como Alfredo Buzaid admitia que o recurso de ofício era uma versão brasileira do inquisitivismo. O juiz tinha de ser controlado pelas instâncias de poder. Ora, não parece que uma turma do STF ou um ministro que julga um caso de matéria pacificada tenha de recorrer de si mesmo, para que a instância de poder diga se acertou ou errou. No Estado Democrático de Direito isso parece até mesmo bizarro, embora se possa compreender que, em determinadas circunstâncias, havendo, efetivamente, controvérsias do tipo "questão prejudicial", a afetação ao plenário tenha total validade. Porém, não no caso da decisão de Fachin. Será, inclusive, uma capitis diminutio da decisão e será o canto de cisne do teor do artigo 192 do RISTF.
Afinal, com a devida vênia, qual é a própria razão da existência do art. 192 do RISTF? Parece-nos que seja, com muitas aspas, gerar "eficiência" na prestação jurisdicional do Pretório Excelso, evitando que teses jurídicas análogas e repetitivas sejam corriqueiramente apreciadas pelo colegiado.
Pensamos, assim, que a Suprema Corte, antes de propriamente reexaminar a matéria já decidida monocraticamente, deveria realizar um juízo de admissibilidade e, por decorrência, firmar interpretação do RI para casos futuros, retirando o poder discricionário do relator. Para que um paciente ou réu não seja julgado duas vezes e tampouco o relator possa escolher o foro de julgamento, subtraindo o juiz natural do processo.
5. De como o Supremo Tribunal é muito maior que um juiz parcial
Numa palavra final: há poucos dias, o min. Marco Aurélio, corifeu de decisões exemplarmente garantidoras de direitos, concedeu entrevista à Folha de São Paulo. O conteúdo preocupou grande parte da comunidade jurídica.
Com todo o respeito que merece o ministro Marco Aurélio, a quem sempre rendemos nossas homenagens pela sua trajetória, não se trata, em julgamentos como esses acima, trazer à baila pessoalidades como "Moro foi herói nacional" e coisas do gênero.
Primeiro, como o próprio ministro Marco Aurélio sempre diz, processos não têm capa, não têm rosto. Logo, não se pode dizer que as qualidades pessoas de um juiz se sobrepõem ao seu mau agir processual.
Além disso, também com o devido respeito, o STF é bem maior que Sergio Moro, um juiz suspeito e parcial, quem, logo após conduzir ilegalmente um ex-presidente, vazar seus diálogos com a então presidente e ainda por cima grampear seus advogados, sair da magistratura, e, depois de o condenar, vir a servir ao adversário do réu condenado. De novo: a história do STF é muito maior do que isso.
Seria fazer pouco caso dos 130 anos da história do STF termos que admitir que a figura pessoal do Moro tenha mais importância que seus malfeitos processuais. O STF não permitirá.
6. A lição de Pedro Lessa que atravessa os séculos
Por fim, homenageamos a Suprema Corte com uma citação de quem talvez tenha sido um dos cinco maiores ministros do STF nestes 130 anos, Pedro Lessa, o primeiro negro da Corte. Já na época Lessa se preocupava com os ataques à Corte e às Instituições. Parece que Lessa escreveu a apresentação de seu em Do Poder Judiciário para os anos em que vivemos. Já à sua época, era grande o "numero de brasileiros que [...] condemnam as vigentes instituições politicas, e pedem sejam ellas alteradas ou mesmo supprimidas", ao que o eminente jurista responde que "a verdade é que os males, que lhes costumamos atribuir, decorrem, não da sua observância, mas da falta de conhecimento e applicação das mesmas".
Em tempos de negacionismos de toda sorte e de ataques às instituições públicas e ao próprio Direito, deveríamos ficar com Lessa:
"Antes de modificarmos, ou de eliminarmos, a nossa lei fundamental, aconselha a mais elementar prudencia que cuidemos de a conhecer e aplicar."
Portanto, a Suprema Corte brasileira é muito grande. Grandes juristas fizeram e fazem a sua história. Cremos que não será um juiz que abusou de seu cargo que venha a colocar qualquer dúvida na apreciação histórica que uma Suprema Corte tem de ter nos momentos cruciais da República.
Eis o desafio. Para o qual o Brasil e o mundo estão olhando.
Ao enfrentá-lo, o superaremos e sairemos ainda mais fortalecidos.
Uma questão final. Este texto estava concluído quando surgiu a ilação, na mídia (Merval, sempre ele), de que o ministro Fachin poderia, em Plenário, alterar seu voto e, dessa vez, considerar competente a 13ª Vara de Curitiba. Isso depois de, usando o RISTF, anular os processos. Por óbvio que essa notícia é uma fake-jus. Ninguém na face da terra pensaria que um ministro do STF, do alto de sua responsabilidade política, anulasse um conjunto de processos e depois, por uma questão estratégica, votasse contra si mesmo. Seria um case a ser estudado no mundo todo. E, mais, seria a confissão de que ele mesmo, ministro do STF, foi — ou é — parcial, tal qual o juiz Moro._